segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

aborto


Foi um aborto terrível.
Depois de tantas pancadas da realidade,
Nos becos sujos da cidade,
Onde a felicidade fútil se sustenta,
Na contenda entre porcos pobres e cães,
Ela abortou.
Uma dor inigualável,
Quando sua filha Jaci,
Como olhos marejados pressentindo sua morte
Vendo o corte do cordão,
Se suja no lixão.
Foi abortada.
Não tinha como não ser diferente.
Agora é só história.

o carroceiro...



Eram três.
Eram muitas dores.
Era sol a pino,
Era esgoto e água nojenta.
Era choro.
Eram dias intermináveis em seu ardor.
Era a loucura na inocência,
Na indecência da falta de razão.

A água podre no pé do poste torto.
Não tem razões e nem vilões.
Os vilões não são vistos.
Lá tem lixo e bicho.
E gente,
e gente bicho.
O infinito em tristeza.
E o lar que tinha pouca luz,
Perdeu mais uma.

Eram três. Era ele na carroça.
Era ela nas panelas,
Era ela sorridentemente enlouquecida.
Era...
Apenas era...
E não é mais.
E na angustia das orações na madrugada,
A risada doente, a lamúria é faca afiada.
Mas o dia insistiu em amanhecer.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

paciÊNCIA, PAC...

cai a luz,
cai água,
inunda tudo -
paciência!!!

pregam-me na cruz,
arranho-me em farpas,
mudam o jogo -
paciência!

perco o horário,
perco o freio,
fura o tênis -
Paciência!

trabalho carcerário,
dói-me o arreio,
apenas sentis -
PAciência!

pago contas,
falta sorte,
cai reboco -
PACIência!

falta-me as coxas,
essa dor de morte,
deixa-me louco -
PACIÊNcia!

eu disse PACIÊNCIA, PACIÊNCIA, PAC - !

terça-feira, 19 de novembro de 2019

plantar

plantar é a dádiva principal da vida.
quero que minha plantinha seja forte,
que mesmo quando faltar-me sorte,
ela perdure.

quero que minha planta cresça saudável,
que eu não precise rega-la ao perder suas folhas
no ato desesperado de rejuvenescer-lhe a beleza
onde o tempo esgota-se na ampulheta brutal.

não quero lamentar que não fiz a adubação correta,
não quero lamentar que não reguei adequadamente,
não quero lamentar ter tido as ferramentas certas,
não quero lamentar ter tido as melhores sementes.

meu plantio será cuidado agora, para
que quando, eu de árvore velha,
tornar-me sementes,
florescerei-me na alma de quem cuidei

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

sábado, 2 de novembro de 2019

guerra


Coração desinquieto palpitantemente enlouquecido.
Não cabe no meio do peito,
de tão grande,
empurra minha mente.

Mente, em guerra, mente.
Sente um ardor da alma,
a calma como história,
como conto de fadas.

O soldado nu, sem farda,
numa guerra insana,
rolando pelos quatro cantos da cama
na lama se abaixando,
se protegendo dos tiros,
das bombas

meu grande inimigo,
minhas sombras...

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

pedaços, detalhes e retalhos


Encontrei meus pedaços nos cantos de um barracão fétido.
Pobre.
Alí eu estava quebrado.
Meus pedaços, meus retalhos.
Isso me lembra aquela saudosa colcha de retalhos.
Esses eram bonitos.
Mostravam pedaços coloridos – pedaços…
Pode ter um pedaço com um marujo,
Um urso sufista,
um monge budista…
carros desesperados na pista,
um retalho monocolor...

pausa

acordei sobre os retalhos,
sobre os detalhes.

são pedaços, detalhes e retalhos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

As Cores do Mal

Era uma criminosa.
Tem pele dos malandros,
dos que roubam,
dos que são inadequados.

Não podemos ter no bolso um só vintém,
lá vem ela com sua arma em punho
atacar as pessoas de bem,
para tirar o que tenho por merecimento,
o que herdei por merecimento.

Não aguento essa gente (mediocridade),
que reclama quando os helicópteros
tentam fazer seu trabalho de limpar nossa sociedade
e potencializar nossa brasilidade.

Só por que morrem algumas pessoas
que com certeza, tem algo a dever,
nessas favelas que eles criam para atacar nossa boa gente.
Essas pessoas que tem boa vida mas dizem que não – metem.

Ela tinha 8 anos mas
já era uma pessoas que poderia nos pôr em risco.
Com sua roupa de mulher maravilha,
sem dúvida já devia chefiar alguma gangue ou quadrilha.
Se não fazia, iria fazer.

Ela era essa gente de cor
que diz que temos dívidas históricas.
Não tenho nada com isso
Moro na zona sul e sem ações despóticas.

Acho que cansei da ironia...

Enquanto ela morre,
uma criança que não soube o porquê,
imersa na alma de uma pai, mãe ou avô,
nossos olhos lacrimejam sangue.

E mataram a menina,
Mataram a mulher Marielle,
Mataram Amarild,
Mataram mais negros e negras.

Mas o importante e a liberdade política,
fazer cirandas e intervenções artísticas,
que fazem a manutenção da ditadura que novamente se tornou armada.
Na ditadura de mais de quinhentos anos,
os desenganos dos desenganados,
daqueles que sofrem em uma ditadura
disfarçada de democracia.

Era só uma criança...

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Olhos

Acordei com dor de cabeça
sentindo aspereza naquilo que tocava.
doí-me nas entranhas.
Fiz um pequeno alongamento,
Alimentei minha mente com bons pensamentos
e levantei-me.
No quarto ainda escuro.
procuro apoio e ao alcançar o interruptor,
acendo a luz.

Uma luz absurda entra no quarto,
violentamente invade meus olhos,
inunda minha mente.
fico segundos sem conseguir ver nada,
nada a minha frente.

aos poucos, consigo abrir os olhos -
fico atônito: é tanta luz que eu consigo ver longe
do palmo a minha frente a uma agulha no topo dos montes.
inacreditável!

saio a rua.
observo tudo atentamente com minha nova ultra visão
vejo o homem que anda ligeiro  com um dor imensa em seu peito
vejo a mulher sofrendo a dor da perda do filho calada sorridente
vejo o menino com fome, doendo-se pelo meio pão que dividirá com seu irmão esquelético.
vejo assustado,
mas vejo.
desejos perdidos,
felicidades fugazes,
rapazes e moças,
fardos e esperanças,
a dor dos adultos e das crianças.
a cada visão, minha cabeça mais dói

fujo desesperado para um beco.
lá está tudo escuro.
a dor cessa .
quanto mais meus olhos se fecham
menos dor sinto.

penso, repenso, penso.

com um só golpe, furo meus olhos,
o sangue jorra mas nada dói,
minha cabeça que doía não dói mais.
volto e deito-me no meu quarto escuro...

sábado, 17 de agosto de 2019

A Grande Construção de Mim

Tijolos colocados um a um
Concreto, vigas para o teto.
Meço de uma forma cirúrgica
cada azulejo, cada ladrilho.
Vergalhões instalados, os sacos do cimento mais forte.

Furei um poço,
Tirei a água mais clara.
Armei o concreto e matei a sede.
O suor pingando, sol queimando
eu construindo.

E ela do outro lado olhando.
Serena…
Eu a via e a desejava.
Ela me olhava, acenava
enquanto eu sonhava com ela na minha sala,
na minha cama,
na minha casa.

O ultimo azulejo foi assentado.
Sentei-me a varanda
respirei…
E ela lá…
Olhava-me com ternura - olhos cintilantes.
A chamei.

Ela se levantou, veio em minha direção,
Admirou minha construção e sacou sua marreta.

Inebriado, não a percebi.
Olhava extasiado…
ela passeava pela construção como uma pluma,
me sorria, prometia felicidades e batia.
A cada azulejo arrancado, a cada buraco nas paredes,
meu coração embriagado, sorria.

Cada parede construída,
cada lembrança,
cada suor…
Chorei noites sem enxergar.
Nada sobrou…
Nada…

após tudo destruído,
ela sacou um lenço,
enxugou minhas lágrimas, sorriu e disse.
-Meu Amor, reconstrua que volto.
Passei horas deitado,
olhando para o céu.

Engoli o soluço,
Peguei o resto do cimento no saco,
e empilhei meu primeiro tijolo...

Simplesmente apagou....

Simplesmente apagou.
Não ouvi estouro,
O mundo não parou
Nenhum terremoto,
Não vi o céu cair 
Não teve labaredas de fogo
Nem lavas em rios,
Nem insuportável frio
Com gélidos ventos
Nem tempo fechado e nem temporal
Simplesmente apagou
Não ouvi gritos
Nem risos histéricos
Nenhum anjo veio
Não tive medo nem receio
Não houve nada,
Simplesmente apagou....

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Penso, logo resisto...

Fiquei aqui parado
com medo de tudo
meio cético
meio surdo
Não sei se volto ao começo
ou se recomeço a andar
mas o que me faltou na alma
ganho quando, ao céu, volto a contemplar

Parei meio surdo
meio triste e louco
surto 
em um espaço turvo
mergulho em mim
bem fundo
no lodo, limbo,lixo...
murmuro
Reflito, penso,
logo resisto...

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Mãe-Pátria II


Jovem com olhares cansado marejados

Pele espeça de tanta pancada, voz que se arrasta, falha

Caminhas o caminho pisado, cascalho nos pés descalços.

Andou retirando-se retirante.



Passou por favelas, vielas e o agreste,

Prestes a desistir, com fome, maltratada

Agredida em sua carne e em sua alma

Contando os dias que haverá a frente



Anda lentamente Não há tempo

Suas sementes já brotaram



Um que ficou numa cova rasa

Outro aquecido em suas entranhas

E eu em sua mão Direita calejada

Carregada e carregando



E aquilo que era fé

Virou dor

O que não se pode ter

Matou o amor

Minha mãe pátria suja me esquece numa esquina escura.

O que me sobrou agora

Foram os ratos

Os restos...