segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

aborto


Foi um aborto terrível.
Depois de tantas pancadas da realidade,
Nos becos sujos da cidade,
Onde a felicidade fútil se sustenta,
Na contenda entre porcos pobres e cães,
Ela abortou.
Uma dor inigualável,
Quando sua filha Jaci,
Como olhos marejados pressentindo sua morte
Vendo o corte do cordão,
Se suja no lixão.
Foi abortada.
Não tinha como não ser diferente.
Agora é só história.

o carroceiro...



Eram três.
Eram muitas dores.
Era sol a pino,
Era esgoto e água nojenta.
Era choro.
Eram dias intermináveis em seu ardor.
Era a loucura na inocência,
Na indecência da falta de razão.

A água podre no pé do poste torto.
Não tem razões e nem vilões.
Os vilões não são vistos.
Lá tem lixo e bicho.
E gente,
e gente bicho.
O infinito em tristeza.
E o lar que tinha pouca luz,
Perdeu mais uma.

Eram três. Era ele na carroça.
Era ela nas panelas,
Era ela sorridentemente enlouquecida.
Era...
Apenas era...
E não é mais.
E na angustia das orações na madrugada,
A risada doente, a lamúria é faca afiada.
Mas o dia insistiu em amanhecer.